A CHINA NO SEU MELHOR

segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Quis começar este blog no último dia de liberdade.

Fumador à mais de vinte cinco anos, a partir de amanhã passarei a ter a polícia à perna cada vez que acender um cigarro. Esta perseguição traz-me à memória as histórias sobre a licença de isqueiro, com a qual não tive de confrontar-me, mas de que muitos ainda se lembram, instituída por Salazar quando quis proteger a indústria nacional de fósforos.
A hipocrisia argumentativa da salvaguarda da saúde pública, com que o Governo se esforça em justificar o novo diploma, causa mais tremores que o próprio sindroma da abstinência gerado pela falta de nicotina. Fosse esse argumento verdadeiro e já estariam criadas em todos os centros de saúde do Serviço Nacional de Saúde consultas especializadas de apoio aos fumadores que pretendem abandonar o vício, como prevê a lei.
Na verdade, não são mais de 40% dos centros de saúde os que já dispõem daquela consulta e, nestes, a capacidade de resposta é de tal forma insuficiente que passámos a ter mais uma lista de espera, a juntar às outras que, no Serviço Nacional de Saúde, o Governo pretende eliminar virtualmente.
Numa lei onde as coimas chegam aos 250 mil euros, seria interessante saber que consequência terá para os responsáveis políticos do Serviço Nacional de Saúde o incumprimento da obrigação de criar consultadas de apoio aos fumadores. Obviamente que nenhumas!
Será que os ordeiros costumes nacionais vão deixar passar uma lei fundamentalista e autoritária, que ameaça tornar os espaços públicos num verdadeiro “Tarrafal” para quem fuma? Estou, infelizmente, convencido de que sim, ainda que já se comecem a levantar algumas vozes esclarecidas a contestar o diploma.
O juiz-desembargador José Gabriel Silva, que fuma charutos "por prazer" há dez anos, apelidou a nova legislação de "fundamentalismo higienista" e considera que o Estado "não se devia intrometer em esferas que dizem respeito à forma de vida das pessoas".
O magistrado argumenta que o gabinete de trabalho é um local privado e que, por isso, "aí a lei não tem de ser cumprida".
"São intromissões autoritárias. As pessoas têm o direito a escolher o seu estilo de vida, trata-se da sua vida pessoal", defende o juiz, sublinhando a falta de bom senso nesta lei.
Mais dramático é o realizador Fernando Lopes, um arreigado fumador de 72 anos, que acusou a nova lei de criar "um Tarrafal para os fumadores".
"Fumar é um direito que me assiste e a nova lei é a do politicamente correcto e só vai criar excluídos. Estão a criar um Tarrafal para os fumadores", exclamou o realizador, que fuma desde os 15 anos.
Nos restaurantes que frequenta, Fernando Lopes sabe que em pelo menos um não vai ter que deixar o cigarro à porta. "Terei é que fazer as reservas mais cedo!".
Deixar de fumar em locais públicos não vai ser um problema para o presidente do Governo Regional da Madeira, porque diz que só fuma em casa, depois do jantar, ou quando está a trabalhar no seu gabinete.
Apreciador de charutos - "um prazer e um gosto"-, Alberto João Jardim considera que a nova legislação “faz Portugal continuar a copiar o fundamentalismo que em certas matérias se apossou na nossa civilização", um fundamentalismo que é apoiado por quem quer "impor à sociedade novos tipos de planificação".
Também o fadista Camané, que fuma um maço e meio por dia, vai ter mais dificuldade em combater o nervosismo antes dos concertos, porque é proibido fumar em salas de espectáculos.
Para o artista, a nova lei "provoca uma maior discriminação dos fumadores".
As opiniões destes fumadores deixam-me mais confortado. Pelo menos não estou sozinho, apesar de me sentir agora mais vigiado que os traficantes da Galiza que atravessam Portugal, os assaltantes de caixas multibanco ou os homicidas da noite portuense, gente que parece não incomodar Governo, tão preocupado que anda com o meu cigarrinho.